sexta-feira, 10 de junho de 2011

PARA BERNARDINHO, SELEÇÃO DE VÔLEI É REFÉM DA SUPREMACIA

Entrevista com Bernardinho por Mariana Bastos

"Tenho sentido mais alívio que prazer com as conquistas", afirma Bernardinho.

        Bernardinho, 51, diz não gostar de ser medido por seus números. Confessar ter até recorrido a terapia para aprender a lidar com isso. Mas o fato é que, após uma década à frente da seleção masculina, são justamente os números que o colocam entre os maiores técnicos do esporte.
       Em dez anos, sua equipe soma 27 títulos e um incrível aproveitamento de 90%. Em entrevista à Folha [de São Paulo], Bernadinho revela que sentiu mais alício que prazer após conquistar seus últimos títulos. "A condição que nós criamos não nos concede o direito de ser prata em nada."
       Sua motivação para continuar no võlei reside no silêncio do cotidiano de treinos. E foi isso que, segundo ele, levou-o a recusar um convite para ser técnico de futebol de um grande clube em 2010.
       Um desafio que não descarta para o futuro. "Poderia ser como manager, assim como os técnicos da Inglaterra." Na entrevista, Bernadinho ainda critica a falta de legado deixada pelo Pan e faz alerta sobre estouro de gastos na Copa e na Olimpíada.

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Folha - Por que você não se emocionou tanto após as últimas conquistas da seleção?

Bernadinho - Nos últimos anos, tenho sentido mais alívio que prazer com as conquistas. Atingimos um nível que não nos concede o direito de ser prata em nada. Além disso, tendo a relacionar a conquista com uma sensação de vazio, porque no dia seguinte não tem mais ninguém. Cada um vai seu canto. Meu prazer está no cotidiano, no silêncio da quadra em dias de treino.

Folha -  Tendo em vista a experiência do Pan-2007, você acha que o Brasil tem condições de sediar uma olimpíada?

Bernardinho - A organização do Pan do Rio foi impecável se cada comparada a dos Pans anteriores. Mas, como uma pessoa do esporte e carioca, digo que o legado foi certamente um ponto negativo. Passamos no vestibular da Olimpíada em termos de organização, mas na matéria legado fomos reprovados. Isso tem que ser bem trabalhado para que na Copa e Olimpíada o investimento elevado não se traduza em pouco retorno social.

Folha - O que você acha do estouro de gasto em grandes eventos?

Bernardinho - O problema é que nós brasileiros, somos perdulários. Ou somos incompetentes para lidar com orçamento ou é outra coisa que não posso julgar. Se eu gasto mais que o orçamento do meu time [o Rio de Janeiro] permite, vou ser punido, algo que não ocorre com os organizadores dos grandes eventos esportivos no Brasil. O problema é que ninguém assume a responsabilidade pelos estouros.

Folha - Você pensa em trabalhar com futebol algum dia?

Bernardinho - No ano passado, fui sondado por um grande clube. Acho que teria condições de atuar na comissão técnica de qualquer esporte. Mas, se for no futebol, não quero ser o treinador. Poderia ser um manager, assim como os técnicos na Inglaterra, e me cercar de pessoas competentes. O problema é que o futebol não é ainda um espaço meritocrático. Se meu time tem um jogador indisciplinado, mas que vale muito, eu tenho que escalar porque se não vou dilapidar o patrimônio do meu time, da empresa. No vôlei, não é assim. Você se destaca pelo que produz.

Folha - Por que você não aceitou?

Bernadinho - Acho que ainda posso fazer muito pela seleção.

Folha - Quem você admira?

Bernardinho - Não adimiro ninguém 100%. Mas, no futebol, gosto do Muricy [Ramalho, técnico do Santos], por ser autêntico, trabalhador. Sempre adimirei o Felipão [Luiz Felipe Scolari do Palmeiras]. O José Mourinho [do Real Madrid], por ser inteligente, pragmático. Ele tem uma questão de cientificidade que é interessante, embora tenha a arrogância, mas é o jeito do cara. O Guardiola [do Barcelona] é espetacular não só por conduzir uma equipe que vence muito, mas também convence.

Folha - Você faz terapia? 

Bernardinho - Eventualmente. Não tem a ver com minha paranoia, mas com minha preparação para frente. Trabalhar para dentro me ajudou a buscar equilíbrio. Não quero ser medido por minhas vitórias e derrotas, mas às vezes isso acontece. E o bom terapeuta te mostra o caminho para encarar isso serenamente. Os livros também me ajudam. Tem um pensamento do Jonh Woodem [técnico de basquete universitário] que eu gosto: "Ter a sensação de bem-estar proveniente da consciência de que você fez o melhor".

Folha - Alguma vez você sentiu que seu time era imbatível?

Bernardinho - Nunca. Em certos momentos, havia a sensação de que ninguém ia ganhar deles. Às vezes, os adversários até estavam ganhando e começavam a ter dúvida se podiam nos vencer. Nessa dúvida, nós íamos lá e ganhávamos. Essa reação não tem nada a ver comigo. São os caras.

Folha - O que você projeta para Londres-2012 e Rio-2016?

Bernadinho - Não penso ainda em 2016 porque os campeonatos importantes no caminho me impedem de ter essa imagem. Com relação a Londres, há um certo sentimento de redenção em relação à derrota na final dos Jogos de Pequim, em 2008. Os rapazes falam isso às veses, mas, para mim, é um fechamento de um ciclo, um ponto a mais da trajetória. Tudo é importante, mas nada é definitivo. O ouro olímpico de 2004, por exemplo, não foi definitivo. E talvez a prata de 2008 tenha vindo para nos trazer de novo uma dimensão humana, porque ninguém é imbatível.

Fonte: Folha de São Paulo, 27 de maio de 2011.









       

2 comentários:

  1. Show de bola a entrevista, eu sou fã de Bernardinho e não sabia que ele passava por esses pensamentos, isso explica muita coisa.
    Valeu!

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  2. Maravilhosa entrevista, o Bernardo é um cara sem igual, super competente e apaixonado pelo q faz.

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